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Neste Dia Mundial da Poesia, volto a reverberar a alegria do lançamento conjunto dos livros “corpo-esconderijo” (Editora Libertinagem), da minha amada irmã Roberta Tostes Daniel, e do meu “O poeta toma a pólis “(Editora Patuá), ocorrido no dia 17 de março de 2024 no Alfa Bar e Cultura, no Rio de Janeiro.

Os afetos deste dia ainda estão vivos e vibrantes em nós, ecoando os muitos cursos e afluentes de uma conversa infinita. Agradecemos a todos os presentes no lançamento de hoje. Também aos que nos enviaram mensagens ao longo do dia, aos que vibraram e torceram por nós.

E não poderíamos deixar de agradecer, muito especialmente, aos queridíssimos Eduardo Larcerda e Pricila Gunutzmann, que alongaram a estadia deles no Rio de Janeiro para celebrar conosco esse dia, e com o carinho e a generosidade que lhes são inerentes, realizar esse nosso lançamento tão importante e especial pra nós. Fica o registro do nosso amor e nossa gratidão por esse gesto tão lindo, bem como por toda generosidade e todo carinho com a gente.

Agradecemos também a todas as pessoas que realizam os muitos trabalhos em torno das atividades dessa duas editoras-casas, e também ao Alfa Bar e Cultura, que tão generosamente nos recebeu de portas e braços abertos.

Agradecemos ainda nossa mãe, Marisa Tostes Daniel, que cultivou em nós nosso amor pela escrita e pela poesia e fez tanto para viabilizar esse lançamento, e à amada Fabi Turci, que nos emprestou seu olhar sensível e amoroso para fazer esse e os muitos registros que desejamos compartilhar aqui nos próximos dias!

Lançamos neste domingo (17/3) nossos livros em nossa cidade natal. Quanto afeto trocado nessas horas, quantas memórias resgatadas, além das novas que se criam com o encontro, com a ocupação da pólis por nossos corpos-esconderijos, que se expressam e se afetam incessantemente. Publico aqui as fotos desse lançamento conjunto, que foi um marco e um encontro de essa irmandade poética.

Muito amor envolvido!! 💜😍📚📖🥰❤️

Os livros podem ser adquiridos diretamente com nós, os autores. Basta mandar mensagem direta para os nossos Instagrans (@teofilotostes e @oabrirme). Eles também estão disponíveis nos sites da Editora Patuá (“O poeta toma a pólis“) e da Editora Libertinagem (“corpo-esconderijo“).

https://www.editorapatua.com.br/o-poeta-toma-a-polis-poemas-de-teofilo-tostes-daniel/p

https://www.editoralibertinagem.com/product-page/corpo-esconderijo-de-roberta-tostes-daniel

Ainda tateio palavras para falar do lançamento de “O poeta toma a pólis”. Porque foi tudo tão bonito, tão cheio de ternura e afeto. Um dia que ainda reverbera e reverberará por muito tempo em mim.

Enquanto selecionava as fotos, ia me reencontrando com as emoções de cada encontro, cada abraço. Acho que sorri mais de cem novos sorrisos, enquanto revisitava essas imagens. E pensava que essas fotos falam com força aquilo que o primeiro poema do meu livro anuncia: “é urgente espalhar amor”.

Sou muito grato pelos abraços, pelas presenças de quem fez esse um dia muito especial. Agradeço ainda pelas mensagens que recebi de muitas pessoas queridas que não puderam estar presentes. Sou grato por cada leitura, já ocorrida ou por vir.

Sou grato pela minha companheira Fabi Ayana, presente na escritura de praticamente todos os poemas – exceto os antigos. E que foi a primeira leitora do livro pronto, além de diretora e editora dos quatro vídeos de divulgação sobre o livro (na verdade, tem muito mais pelo que agradecer à Fabi e, mesmo que eu tentasse escrever todas as coisas neste espaço, estaria deixando de mencionar alguma coisa). Também agradeço à minha mãe, Marisa Tostes Daniel, que também foi das primeiras leitoras e, inclusive, sugeriu mudanças e revisou alguns tropeços que o autor cometeu no teclado.

Agradeço ainda à minha irmã, Roberta Tostes Daniel, que além de ter sido uma das primeiras leitoras, me presenteou com um magnífico texto de prefácio, que dialoga com os leitores antes mesmos que os meus poemas. Agradeço ao queridíssimo amigo Matheus Bibiano, que escreveu a orelha do livro e é responsável por, provavelmente, o primeiro texto que quase toda pessoa que tiver o livro em mãos lerá. E também à queridíssima amiga Lilian Sais, que me presenteou com um posfácio que continuará conversando com os leitores do meu livro, quando os poemas terminarem.

Por fim, agradeço às pessoas que trabalharam para que o livro tivesse ganhasse vida de tinta e celulose. O queridíssimo Edu Lacerda, editor de tantos livros, a seus assistentes editoriais Amanda Vital, Diego Alves, Maria Beatriz de Paula Machado, Mylena Morais e Ricardo Escudeiro. Como não sei quem trabalhou e em que medida no meu livro, não poderia deixar de agradecer a vocês todos, sobretudo porque, como leitor, o trabalho de vocês ajuda a chegar em mim os livros da Patuá que eu leio.

Queria ainda agradecer ao querido Alessandro Romio, que me presenteou com essa capa absolutamente incrível e fez uma diagramação primorosa no livro (inclusive no dia do lançamento, ficamos conversando um pouco de certas mudanças que pedi de última hora, em versos do último poema que, por serem muito longos, precisavam de um trabalho gráfico especial). Agradeço também à querida Pricila Gunutzmann, que deu todo apoio no pré-lançamento, ao Diego Alves, que nos recebeu na Livraria Patuscada desde as primeiras horas com tanto carinho, e novamente ao próprio Edu Lacerda, que esteve presente uma boa parte do lançamento, acrescentando ao carinho de sempre o trabalho durante o lançamento.

Divido aqui algumas lembranças fotográficas desse dia 24 de junho de 2023, quando “O poeta toma a pólis” deixou de ser o meu livro e ganhou o mundo, graças à Editora Patuá. Quem tiver interesse no livro, pode comprá-lo no próprio site da editora, no link https://bit.ly/opoetatomaapolis, ou então me chamar pelo direct no Instagram, ou mandar uma mensagem no Facebook.

É amanhã!

Entramos no último dia de pré-venda do meu novo livro, “O poeta toma a pólis”, que será lançado amanhã (24) pela @editorapatua, a partir das 17h, na @livrariapatuscada (rua Luis Murat, 40, Pinheiros). Será uma alegria imensa festejar a chegada desse livro com amigos e leitores! 📚💜❤️📖

Mas para quem não estiver em São Paulo ou não puder ir, mas tiver interesse no livro e quiser recebê-lo autografado, pode comprá-lo na pré-venda. A Patuá vai enviar para casa de cada leitor que comprar o livro na pré-venda um exemplar autografado. Então, fiquem atentos, pois hoje é o último dia da pré-venda! Link da pré-venda: https://bit.ly/opoetatomaapolis.

“O poeta toma a pólis” (Editora Patuá), meu terceiro livro, será lançado neste sábado, 24 de junho de 2023 em São Paulo. Nele, a poesia ocupa um lugar de resistência e testemunho, além de servir de matéria essencial para sonhar um mundo onde a diversidade humana é celebrada. O lançamento será a partir das 17h na Livraria Patuscada, que fica na rua Luis Murat, 40, Pinheiros — São Paulo.

O livro está em pré-venda no site da Editora Patuá, no endereço https://bit.ly/opoetatomaapolis. Leitores e amigos que não moram em São Paulo ou não puderem ir, mas comprarem o livro até o dia do lançamento, receberão seu exemplar autografado em casa.

É urgente espalhar amor | poema do livro O poeta toma a pólis, de Teofilo Tostes Daniel.

É URGENTE ESPALHAR AMOR

Para calar canhões e metralhadoras,
conter a mão brutal
no momento de desferir o golpe;
para combater a cultura de pólvora e chumbo
que assola os quatro cantos do mundo,
opor-se a cada guerra
e a cada assassinato;
para impedir que o cinza dos asfaltos
continue a ser tingido
pelo sangue de culpados e inocentes

é urgente espalhar amor
com a sofreguidão de todas as sedes.

Porque são tempos miseráveis
aqueles em que o amor
é motivo de escândalo e perplexidade,
e o ódio,
aplaudido de pé,
se alastra como uma praga
na boca e nas mãos de tantos,
e na morte e no massacre
de quem ousa ser,
mesmo que involuntariamente,

o Outro.

Modulador de silêncios | poema do livro O poeta toma a pólis, de Teofilo Tostes Daniel.

MODULADOR DE SILÊNCIOS

Ter ouvidos capazes
de modular silêncios,
escutar timbres
e tonalidades inalcançáveis.
Perceber o som do pelo que cresce
e a exata frequência do azul dos céus
no outono.

Vasculhar a voz das formigas
que comandam o carregamento de folhas.
Alcançar o suspiro ancestral da Terra
quando uma semente brota.

Ter ouvidos que consigam
transcodificar sons sem sentido
nos movimentos das mentes.
Não para devassar os secretos
rios subterrâneos dos pensamentos,
mas para divagar nas melodias ocultas
das frequências das sinapses.

E, assim, fazer silêncio
para repousar
as ideias polifônicas
na densidade do dentro.

Guardar nos ouvidos o som das conchas
e a viscosidade do animal invertebrado
que a habitou.
E, por fim, ter ouvido de ouvir
e registrar todas as vozes distintas

de uma fuga de Bach
ou uma feira livre.

O poeta toma a pólis | poema de de Teofilo Tostes Daniel.

O POETA TOMA A PÓLIS

Degredado e clandestino,
o poeta torna à pólis
sem nunca tê-la deixado.

Se lhe pedem palavras úteis,
o poeta cospe pétalas e pombas brancas,
grita incandescências vulcânicas,
veleja lavas e anuncia paz.
Enquanto todos aplaudiam
a rainha degolada,
o poeta sentia o frio da lâmina
no próprio pescoço.
Hordas da ordem, em vão,
tentam adestrar o poeta
e cortar-lhe a peçonha da língua,

mas seu verbo se alastra
como fogo em planícies
secas de tanta razão.

O poeta toma a pólis.

Booktrailer | O poeta toma a pólis, livro de Teofilo Tostes Daniel.

Lançamento: 24 de junho, sábado, às 17h, na Livraria Patuscada (Rua Luis Murat, 40 – Vila Madalena – São Paulo/SP);
Livro: O poeta toma a pólis
Autor: Teofilo Tostes (@teofilotostes)
Editora: Patuá
Páginas: 136
Preço: R$ 45,00
Livro em pré-venda no endereço: https://bit.ly/opoetatomaapolis.

Booktrailer do livro “O poeta toma a pólis“, que será lançado no dia 24/6.

O poeta toma a pólis” (Editora Patuá), meu terceiro livro, será lançado no próximo dia 24 de junho de 2023 em São Paulo. Nele, a poesia ocupa um lugar de resistência e testemunho, além de servir de matéria essencial para sonhar um mundo onde a diversidade humana é celebrada. O livro está em pré-venda no site da Editora Patuá, no endereço https://bit.ly/opoetatomaapolis. Leitores e amigos que não moram em São Paulo ou não puderem ir, mas comprarem o livro até o dia do lançamento, receberão seu exemplar autografado em casa.

Roteiro: Teofilo Tostes Daniel e Fabi Ayana (@Laboratoriodossentidos)
Concepção, direção, filmagem e edição: Fabi Ayana
Trilha: Gold – Rob Simonsen

Pré-venda do livro até dia 24 de junho, em https://bit.ly/opoetatomaapolis

Compartilho hoje uma grande alegria. É uma novidade muito especial, que tenho esperado há algum tempo pela hora de anunciar. Meu próximo livro, “O poeta toma a pólis”, será publicado agora em junho pela Editora Patuá. Um livro preparado durante o isolamento da pandemia e que agora certamente me dará a oportunidade de reencontrar amigos que não vejo pessoalmente há tempos.

O lançamento está marcado para o dia 24/6 na @livrariapatuscada e será uma oportunidade maravilhosa de reencontrar amigos e comemorar meu aniversário (que terá acontecido dois dias antes). Será uma alegria imensa celebrar a chegada do meu novo livro e os meus 44 anos com todos que puderem ir.

O livro já está em pré-venda, no site da editora. Para amigos que moram em outras cidades ou que não puderem estar presentes no dia do lançamento, fica uma dica: quem comprar o livro durante a pré-venda receberá em casa o exemplar autografado.

O livro está disponível no site da Patuá, cujo link pode ser acessado em https://bit.ly/opoetatomaapolis.

SINOPSE:
O poeta toma a pólis” é um livro composto por 58 poemas que refletem sobre a necessidade de construções de novas utopias no presente e sobre a condição política do Brasil e do mundo num momento especialmente delicado, em que enfrentamos a eclosão de discursos de ódio e uma pandemia planetária ainda em curso. O percurso do livro testemunha ainda alguns acontecimentos históricos ocorridos nos últimos vinte e cinco anos. A primeira parte do livro, chamada “Psicopatia quotidiana”, traz poemas que falam sobre as injustiças, a indiferença e a crueldade presentes em nossos tempos. Já a segunda parte, intitulada “Pólis poética”, marca uma posição pela delicadeza, pela sensibilidade e pelo afeto como ferramentas eminentemente poéticas e políticas que podem ser usadas para a construção de um novo amanhã. E no confronto entre essas duas partes, testemunhamos que “o poeta torna à pólis / sem nunca tê-la deixado”.

Caminho e Canção

(Teofilo Tostes Daniel e Fabiana Turci)

Voz e Violão: Teofilo Tostes Daniel
Gravado durante o Sarau Virtual
da Cia Coral Mawaca
no dia 3 de junho de 2020

Música:
Teofilo Tostes Daniel e Fabiana Turci

Tom Em (com capotraste na 5ª casa, tornando Am)
Intro: Em Am D/B Bm7/11 D5/B B7 B7(13-) B7 Em

Em          Am     D/B           D5/B
Faço pra terra minha invocação,
B7                             B7(13-) B7 Em
que ela germine nas minhas mãos.
Em          Am            D/B Bm7/11 D5/B
Sopro no vento a minha oração,
B7                             B7(13-) B7 Em
que ela floresça meu coração.

Em                  Am
Que eu possa me espalhar
Em                 Am
que eu possa me perder
Em          Am
em tudo que brotar
Em                 Am
no que ainda vai nascer.
D              D4
O que frutifico
B7 B7(13-) B7 Em
eu vou colher.

Em                  Am
Que eu possa conceber
Em               Am
os sons que vou cantar,
Em                 Am
e aos poucos refazer
Em             Am
pés para então dançar.
D                  D4
Quero meus olhos
B7  B7(13-) B7 Em
no que eu amar.

Em              Am       D/B            D5/B
Meu corpo abre caminho e canção,
B7                       B7(13-) B7 Em
que ele receba sonho e pão.
Em          Am          D/B Bm7/11 D5/B
Faço pro tempo minha invocação.

Tempo, tempo, tempo, tempo

“Tempo, tempo, tempo, tempo, / És um dos deuses mais lindos” – celebrar hoje quarenta anos me traz à mente esses versos de “Oração ao Tempo”. Tenho para mim que o tempo é a medida de nossas memórias. Olho para trás e vejo quarenta anos de histórias vívidas. E, navegando na nave do instante, chego a essa marca com a impressão de que olho o mundo a partir da mesma perspectiva do deslumbramento, desde que me entendo por ser no mundo.

Encaro esses vários “eus” que fui nas horas, dias, meses e anos que vivi, e sinto que essa sensação de continuidade tem muito a ver como essa perspectiva a partir da qual se olha. Isso a que chamamos interioridade, subjetividade, e que talvez responda pela forma como absorvemos, processamos e devolvemos ao mundo os estímulos que recebemos. Porque, de resto, somos a constante impermanência do vir a ser, incapazes de nos banharmos duas vezes nas águas do mesmo rio.

Fui acumulando – ou inventando – ferramentas e lentes que me ajudam a olhar para esse espanto que é o mundo, pois a imensidão da vida é maior até mesmo do que a do mar. Como o menino Diego, da bela história narrada por Galeano em “A função da arte”, que pede ao pai que o ajude a olhar a imensidão do mar, que ele avistava pela primeira vez. Ou como o menino Miguilim, que além das lentes corretivas, tentava levar em seus olhos a sagacidade do olhar de Dito, seu irmão morto, para desentender os mistérios da vida – no meu caso, levo a ausência do olhar de meu pai, que morreu na primeira década de minha vida.

Atingir quarenta anos é uma marca especial para quem foi batizado no segundo dia de vida, para não morrer pagão, e fez sete cirurgias antes dos três anos de idade. Hoje, na busca por firmar um acordo com o tempo, lembro o que ouço desde criança, que a vida começa aos quarenta, e peço no mínimo mais uns quarenta anos de caminhos, para continuar aprendendo a olhar, e uns vinte de bônus – a ideia de escrever até os cem anos é absolutamente fascinante. Quero que minhas palavras continuem a soar como vozes da própria memória. Cada vez mais rica e repleta. Enquanto isso, certamente, essa velha canção continuará ecoando em mim: “Tempo, tempo, tempo, tempo…”

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ADENDO – dia 23/06/2019

Gosto muito de fazer aniversário. Não sou de arquitetar grandes festas ou grandes celebrações. Eu, que sou uma pessoa naturalmente extrovertida, tendo a certa introspecção nesse período. Desconfio que seja porque, a cada renovação de ciclo solar, uma espécie de festa interna acontece.

Gosto muito de fazer aniversário, porque é um tempo de grande fluxo de afeto – que vem de muitas formas. Cada abraço, cada palavra dita ou escrita, por todos os meios – que se multiplicam nesse tempo de vertigem de comunicação em que vivemos –, cada manifestação de carinho acende um sol dentro.

Obrigado a cada um por trazer um pouco de fogo para acender esse sol interno, por afluir afeto, por celebrar comigo esse marco que são os quarenta anos. Vou responder aos poucos a cada mensagem deixada em tantos lugares. Mas queria deixar desde já essa resposta, ampla e repleta de gratidão, ao universo múltiplo dos afetos afluentes que me rodeiam.

Gratidão infinita… ∞ ❤🧡💛💚💙💜

Toda sociedade que se imaginou nova, se imaginou matriarcal.
Viviane Dias – Matriarcado de Pindorama

Na Poética, que trata especificamente da tragédia, mas cujas análises comumente são usadas em muitos outros tipos de arte, Aristóteles indica que o teatro (e talvez, por extensão, a arte) tem como função promover a purificação das emoções, por meio da catarse. Ao buscar demonstrar isso, Aristóteles deixa visível o rastro que liga o teatro grego que ele conheceu – e as grandes tragédias de seu tempo – com os ritos de purificação, não somente aqueles presentes nos grandes ritos cívicos celebrados na pólis, mas também nas celebrações de mistérios (órficos, báquicos, eleusinos). Aqui, vale lembrar que Téspis, conhecido como o primeiro ator e tido como inventor da tragédia, se apresentava em coros dedicados a cantos de ditirambos, que possuíam um caráter litúrgico em louvor a Dionísio, e não um caráter propriamente artístico. Portanto, a arte e a liturgia muito provavelmente nasceram indistintas na Grécia antiga.

Talvez seja possível hoje pensar que a arte atende a muitas necessidades. Ela celebra valores, deuses e a própria vida; estabelece conexões e laços de comunhão; engendra não apenas mecanismos de imitação e percepção da realidade, como também cria novas realidades potenciais; permite formas de expressão; faz denúncias e aponta riscos; promove prazer, diversão, riso ou gozo, etc. Olhando agora, passados alguns dias daquele alumbramento experimentado ao assistir à peça, penso que “Matriarcado de Pindorama”, encenada pela companhia Estelar de Teatro, acaba para mim atendendo um pouco a todas essas necessidades.

A encenação revisita a História do Brasil a partir do ponto de vista do protagonismo feminino. Revela histórias de resistência de personagens históricas, que cruzam com deusas e pombagiras. “Quando a nossa voz entra no mundo, todos os mapas se alteram. Porque a voz das mulheres é um rio caudaloso que abre caminho para muitas vozes”, anuncia o coro de mulheres.

Mas a peça faz mais do que revisitar a história. A plateia participa de um rito cênico, um ritual de pajelança em que uma mulher – Vera Brasilis – busca a cura de suas dores, que se originam de um mal presente desde o mais remoto passado, ou seja, desde a invasão desta terra há mais de 500 anos. O rito evoca toda uma ancestralidade que se manifesta bem diante de nossos olhos. “E neste espaço de possibilidades, rito-teatro, me permito o desejo-magia. Agora sou ponte-cabocla. Quantas mulheres cabem neste corpo?”, pergunta ao público uma das atrizes, ainda na rua, pouco antes de conduzi-lo a uma viagem pelas funduras do espaço cênico, onde muitas vozes se levantam.

Como provavelmente ocorria com o teatro em suas origens mais remotas na antiguidade, toda encenação é também um rito de purificação. Uma das personagem, porém, adverte: “Mas aqui, meu senhor e minha senhora, queremos apresentar uma atração inédita. Um mundo em vias de despatriarcalização. Se eu tive forças para cavar um passado inacreditável, neste rito-teatro inverto meu sentido e olho para frente, cavando um futuro que já se faz presente sim, mesmo se invisível para a maioria”.

A plateia é convidada a revisitar o passado para escrever um novo futuro, para ser mais um tijolo que construirá esse mundo em vias de despatriarcalização que está nas ruas, nas redes, na luta diária pela vida. Por todas as formas de vida, pois recontar a história do ponto de vista das mulheres também pode ser contar a história a partir do ponto de vista da exploração da natureza. E, prenunciando essa possibilidade, a índia Moema proclama: “sou parente da terra, também irmã da água, e sei ler os segredos do tempo. E eu sabia que esse fogo que você trouxe para cá não ia parar de queimar nem em quinhentos anos.”

Nesse trajeto, somos lembrados de que “o mundo nos ensina por todos os poros. Ainda que silenciados!” E a plateia segue, conduzida entre vertiginosos fragmentos sem fim de histórias. Todas, histórias de resistência e apagamento. Histórias que A HISTÓRIA não conta “O que acontece se apenas uma mulher contasse a verdade sobre sua vida?” Ao fim dessa mescla de manifesto e rito cênico catártico pela despatriarcalização do amanhã, presenciamos uma espécie de Sabbat de bruxas. Brasileiras e antropofágicas, cultuando o inapreensível ao som de batuques. “Somos bruxas e preparamos um caldeirão de imagens em ebulição”. Quem vem?

*Fotos: Tati Wexler
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Matriarcado de Pindorama é uma peça escrita por Viviane Dias, que também assina a direção, junto com Ismar Rachmann. No elenco, além de Viviane, estão Anderson Negreiro, Carla Raíza, Gabriel Moreira, Inês Soares Martins, Lucía Soledad Spívak, Nathalia Lorda, Regina Santos e Rico Marcondes. Vídeo projeções: Bianca Turner. O espetáculo está em cartaz sábados e domingos, até 28 de abril, na sede da companhia Estelar de Teatro, na Rua 13 de Maio, 120 (São Paulo).

A medida de nossas histórias

Tenho para mim que o tempo é a medida de nossas histórias, a constante fundamental de nossa memória. Nestes últimos dias, tornou-se uma espécie de febre nas redes a comparação entre uma imagem atual e outra registrada há dez anos. Entro da dança com minha habitual fascinação pelo tempo, evocando os lodos primitivos de nossa individualidade, local onde surgem, como uma espécie de bolor vivo e úmido, as lembranças.

Deparo-me contigo com trinta recém-completos – a foto foi tirada em julho – e constato o quanto você viveu nessa década. Às vésperas de completar quarenta anos – o que ocorrerá em junho – sinto que muita vida pulsou, transbordante. Seus pés se fincaram por tantos caminhos. Sua voz ressonou por tantas paragens. Sua escrita encontrou novos leitores – menos do que gostaria de ainda conquistar, porém mais do que você supunha que teria ao longo desses dez anos.

Você viveu imensas alegrias nessa década. Encontrou um amor para a vida (a Fabi), casou, abriu e fechou uma editora (a Vagamundo), publicou seu primeiro livro de contos pela Editora Patuá. A literatura, aliás, te trouxe muitos amigos — sedimentando essa antiga noção de que o que te move à escrita é o desejo de encontro. A música, outros tantos. Você ainda abrigou três cachorrinhas (@ matilhalab) e em breve adotará um filho ou uma filha – o futuro é aberto!

Nesses dez anos, também viveu novos desafios, o corpo mudou e exigiu novos cuidados. O positivo efeito colateral disso é que esses desafios te obrigaram a se aceitar mais e se acolher nas necessidades de seu corpo. E todas essas experiências – e muitas outras – estão no cerne daquilo que te levou a escrever que “o rosto do real é sempre de um maravilhamento que desconcerta o imaginado.”

Dois eus deslocados no tempo.

Sabe quando a música chega, chama, passa e você segue empós o rastro de uma melodia, para que ela não pare? Cantar na Cia Coral Mawaca é um pouco assim. Recebemos canções que vêm das esquinas dos tempos e juntos soamos para que elas sigam. Fazendo com que nossos corpos se transformem em condutores de sons ancestrais.

O grupo se formou no início desse ano, quando o Mawaca abriu a atividade em sua sede. E desde então, somos um único corpo que soa. E eu, mais uma voz-pessoa dentre todas, essenciais para que o canto-comunhão se faça.

Cantar é uma festa. E, na Cia Coral Mawaca, é ainda ser atravessado, em diáspora, pelo canto de tantos povos, por variados modos de escalar o som. Há dez dias, em nossa última apresentação, com a qual fechamos nosso primeiro ano de existência como grupo, levamos no corpo os sons e as canções que soaram. Quebramos a distinção dos gregos, que tinham uma musa para a música (Euterpe) e outra para a dança (Terpsícore). E nos unimos a certas culturas, para as quais a dança e a música são artes quase indistintas. Cantar e soar é também dançar, e tudo em grupo, em roda, em rito… Quase sempre, por lá, também é assim!

Nesse dia plateia nos seguiu e a música só acabou lá fora. Acabou? Não! Ecoa ainda como memória e desejo de seguir soando…


Vídeo sobre a Cia Coral Mawaca


Teaser do vídeo sobre a Cia Coral Mawaca

Cia Coral Mawaca

Cia Coral Mawaca

Cia Coral Mawaca

Cia Coral Mawaca

Cia Coral Mawaca

Cia Coral Mawaca

Cia Coral Mawaca

Cia Coral Mawaca

Cia Coral Mawaca

Cia Coral Mawaca

Apresentação da Cia Coral Mawaca no Estúdio Mawaca em 18 de dezembro de 2018. Direção Músical: Angélica Lewwiller, Cris Miguel, Magda Pucci, Rita Braga e Zuzu Leiva

 

Nas camadas vulcânicas da palavra

Há muitas coisas que cabem nos laços de irmandade. Irmãos geralmente partilham as primeiras memórias que os conformam como seres no mundo. Dividem histórias colhidas nos caminhos e veredas por que passaram. Repartem brincadeiras, segredos e amigos. Compartem ainda gostos, descobertas e alumbramentos.

Entre mim e minha irmã, há ainda uma partilha fundante de nossa experiência no mundo: o rito da escrita. Descobrimos juntos, embora por caminhos paralelos, esse sacro ofício de cultuar palavras. Éramos crianças, quando ela inventou sua primeira cerimônia de sagração da linguagem, num caderno dedicado à escrita de histórias – geralmente um pouco trágicas. Uma poeta que teve sua infância na prosa, redescobriu-se “um animal, no ermo / da linguagem” com a prosa poética e, por fim, assenhorou-se dos versos. Apropriei-me também desse rito brincante e, com onze ou doze anos, inventei-me poeta – somente muitos anos depois é que fui invocar as energias e os fluxos da prosa.

Durante toda essa trajetória, partilhar os ritos da escrita formou esse laço que participa dos fundamentos de nossa experiência de irmandade. Sempre fomos leitores um do outro. Muitas vezes, isso suplantava silêncios impostos pelo hábito – sobretudo meu, que sempre fui um animal silencioso e sempre usei a escrita também como um escudo, onde tentava realizar a impossível tarefa de esconder fragilidades. Não pude deixar de pensar no silêncio – e na escrita esgarçando sons e, por vezes, dissonâncias nas entranhas dele – ao ler os versos “Foi preciso muita palavra / até arrancar deste silêncio / um lugar seguro.”

A leitura é sempre uma experiência pessoal. Aqui neste livro, em especial, é muito frequente eu cometer o “pecado” de inserir na literatura o biográfico. Em diversos momentos, me lembro que uma parte central daquilo que nos tornamos teve início naquela longínqua atividade em que cada um de nós consagrou um caderno somente para a escrita. Vivíamos uma segunda mudança de cidade e, naquele momento em que o movimento parecia mais definitivo – dentro do provisório de todas as coisas –, tomávamos contato com a poesia de nosso pai, junto dos livros da minha mãe que haviam chegado do Rio de Janeiro – e longe dos quais estivemos por mais de um ano. Nosso pai já era uma ausência há alguns anos e, naquele contato com poucos de seus escritos, pudemos buscar uma espécie de diálogo literário para preencher o vazio de sua presença. Sei que essa é uma experiência marcante tanto para minha irmã quanto para mim. São essas histórias, que fundam nossa memória, que são evocadas por um poema como Art is a guaranty of sanity:

A aranha se nivela ao espaço urbano
o rosa é alimentado pelas cavidades orais
dois pedaços de madeira se abraçam
duas pessoas se amam e não se veem.

No refratário masculino ou museu
da imensa colcha de retalhos, almejo
Louise Bourgeois entre pernas mutiladas.

De peles que habitam almodôvares
de casas sobre eus femininos
de lampejos da gritaria

do passado, da máquina do tempo.
Na mania de cheirar o teto
de fotografar as árvores, de olhar o pai morto.

Amantes se deitam ao frio chão da sala
do ano de 2006 onde guarneço devires e cachorros.

Dez anos se passam: o céu se abre aos minaretes
o olhar de um muezim vale o templo
onde a arte é uma garantia de sanidade.

Após mais de vinte e cinco anos de leituras recíprocas, partilhadas desde o fim da infância, acompanho a publicação de Uma casa perto de um vulcão. Para o leitor e o irmão que sou, é um acontecimento muito especial. Se o irmão por vezes acaba lendo por trás de muitos versos os traços biográficos de memórias partilhadas, o leitor vai além, por não identificar na literatura uma escrita confessional. Ainda mais porque aqui encontro a força de um fenômeno da natureza, um derramamento poético diante do qual não é possível estar incólume. Com isso, adentramos noutras camadas vulcânicas da palavra, sendo especialmente tocado pelo trabalho com a linguagem dessa poeta que diz: “mastigo o ermo das palavras / quando não quero dizê-las / estendo os braços, frágeis de sentido / por algo como a luz – ou a fome.”

As lavas de um vulcão, quando emergem de dentro das entranhas da Terra, expõem as infâncias do mundo. O magma é uma espécie de memória, que dá a ver que as paisagens por aqui já foram formadas por ebuliente rocha líquida. Essa memória hoje irrompe, em geral, nas margens de placas tectônicas e quase sempre vem precedida por abalos sísmicos. Por isso, não nos enganemos: a profundeza dos chãos não guarda silêncios.

Pelo trabalho incansável nos meandros da linguagem, é possível exumar os diversos elementos que culminam na constituição da voz. São as lavas arrefecidas que se transformam em terras férteis e abrigam raízes em si. A poesia magmática ganha contornos de uma evocação de diversas formas de ancestralidade. Esse olhar poético voltado às origens (do cosmo, da casa/planeta que habitamos, das coisas, da vida, das estruturas que nos cercam, das referências, da linguagem e de si mesma) já se revela desde o primeiro poema do livro, chamado Infância, que anuncia: “Tenho a idade da Terra”.

Todos esses elementos ancestrais constituem a individualidade da voz em sua enunciação poética. E o tempo dessa condensação de elementos é o presente, ao qual esse livro também volta seu olhar. É possível vislumbrar os olhos frequentemente perplexos ante os absurdos que estruturam as relações de poder em que estamos inseridos. Nesse movimento, os versos se embatem tanto com as estruturas políticas dominantes quanto com a microfísica do poder, dando a ver dissimetrias. E se colocando, politicamente, ao lado daqueles que desejam e lutam e clamam e precisam de mudanças. Vapores é um exemplo expressivo desse movimento, trazendo versos como:

Caminho até a Praça XV
onde a seda vermelha
se enrola à estátua
equestre do general
Osório. Fagulhas
e fumaça alucinógena
fundida com os bronzes
dos canhões roubados
no Paraguai
incensam as acrobacias
das garotas
na manifestação.

Consciente de sua ancestralidade e desejosa de mudanças, a voz poética é permanentemente confrontada com as potências e os limites da linguagem. E, dessa forma, Uma casa perto de um vulcão faz uma incursão pelo pensamento meditativo. Talvez respondendo à constatação de que “Ninguém te ensina / a devassar / o cômodo / do que és”, a poesia adentra no terreno fecundo da reflexão filosófica. Ao lado de um fenômeno como um vulcão, é impossível que o pensamento não seja conclamado para dar conta, não de entender, mas talvez de erigir o mundo. “O mundo é menos / que acaso. Filos, ethos, ente / fatos.”

Esses três movimentos não são estanques. Talvez cada um deles predomine em determinado ponto da obra, mas todos podem ser percebidos constantemente, se fazendo presentes ao mesmo tempo em muitos poemas. E assim o livro se assemelha a um vulcão. O passado do mundo vem à tona na erupção de tudo o que se guarda nas funduras da terra. Esse passado/lava encontra de forma imediata e avassaladora com o presente em torno, a casa perto do vulcão, promovendo o embate e, por vezes até, a destruição das estruturas e a necessidade de novos fundamentos. E, por fim, no tempo mais lento da reflexão e do pensamento, a poesia sedimenta a experiência de perplexidade diante de tudo o que há, como as rochas que, quando resfriadas, deram conformação de eternidade aos últimos momentos de Pompeia e Herculano, após a erupção do Vesúvio.

Nesse sentido, a linguagem do livro recria a própria experiência vulcânica que enuncia. A palavra em ebulição escapa para a superfície da folha e se molda aos contornos da voz – com tudo aquilo que lhe dá um timbre único. Desse vulcão, repleto da densidade de camadas poéticas, irrompe um jorro sempre em busca de fissuras sobre o sólido para emergir, quente e denso, e assim lançar outras novas camadas sobre o mundo. “O futuro / é logo ali” e, para dar conta do vir a ser, é necessário imaginação – essa memória alucinada como um poema. “Um poema sempre um poema / à deriva / da próxima página.”

(O livro está à venda no site da Editora Patuá. Clique aqui.)

Uma casa perto de um vulcão – Roberta Tostes Daniel

 

Se o país não estivesse imerso em tanta fúria, tanto ódio, tanto grito, se por um instante se instalasse algum silêncio, talvez todos ouvissem o sinal de alarme: algo está em perigo. Funcionam os hospitais, os tribunais, as delegacias, abrem-se as repartições, mas não há nenhuma normalidade em nossos dias, nenhuma tranquilidade é possível. Em pouco tempo caminharemos às urnas com as mãos desarmadas, exerceremos com liberdade o ofício do voto, e ainda assim o alarme soará por toda parte: a democracia está em perigo.

A democracia não se resume à possibilidade de depositar um voto na urna; supõe, antes disso, o direito de todos e todas, pleno e absoluto, à existência. O candidato Jair Bolsonaro fere a democracia porque defende o desaparecimento de muitos: de seus adversários, que anseia por banir da política; dos ativistas, que quer extirpar do país; de quilombolas e índios, que pretende privar de suas terras; da comunidade LGBT, intimidada a conter em público seu afeto; dos jornalistas críticos, constantemente ameaçados por ele próprio ou por seus seguidores.

A democracia não sobrevive apenas com um respeito momentâneo às normas; sua preservação requer um compromisso constante com o Estado de Direito. Bolsonaro vem ferindo a democracia há décadas, em seu louvor às opressões da ditadura, em sua defesa insistente da tortura e do extermínio. Ameaçou a democracia no passado, e sua candidatura a ameaça no futuro, com o aceno a medidas autoritárias. A cada declaração ou insinuação, o sinal de alarme soa mais alto.

A cultura ele também quer abater, mas a cultura não se abate. A literatura ele quer calar, mas a literatura não se cala. Contra a censura, contra o desprezo, contra o desdém, contra a imposição de falsas verdades e de equívocas certezas, escritores e escritoras sempre souberam se erguer. Eis o ativismo da literatura, o ativismo que ele não poderá extirpar: a literatura será sempre um dos grandes antídotos para a desumanidade e a indiferença.

Por isso aqui nos erguemos, escritores e escritoras, críticos e críticas, editores e editoras, exercendo nosso ofício da palavra, ouvindo como outros o ruído das sirenes. Por isso clamamos por uma união de todos e todas que prezem pela democracia, que valorizem a existência da diversidade e do dissenso. A literatura, afinal, tem como ideal e como fim a aproximação ao outro, a compreensão de suas aflições, de seus suplícios, o encontro entre diferentes. E ainda que resista às circunstâncias mais adversas, como resistimos e resistiremos, a liberdade há de ser sempre o seu maior instrumento.

[Texto de autoria de Julián Fuks para o movimento independente]

Quem quiser, pode assinar por aqui: https://literaturapelademocracia.wordpress.com/.
Eu acabei de fazer isso!

Nosso voto ontem (e hoje e sempre)

Texto: Fabiana Turci e Teofilo Tostes Daniel
Vídeo: Laboratório dos Sentidos.

Há livros que temos o privilégio de ler antes que ele se torne a obra que será. Lemos antecipadamente esses livros porque recebemos o presente de falarmos a futuros leitores do nosso testemunho de leitura. Neste ano, dois livros me chegaram como um presente, para que eu desse esse testemunho de leitura antecipada, e comungasse da espera de suas autoras para que aquelas páginas ganhem a concretude de papel e tinta: “Vísceras”, da Clara Baccarin, que deverá sair no ano que vem, e “Azul caixão”, da Julia Bicalho Mendes, que deve estar chegando logo por aí.

Faço essa digressão para dizer que ano passado, acompanhei o nascimento de um livro que espero há muitos anos, desde que ele habitava as planícies do sem nome, onde são depositados os projetos futuros. Posso dizer que espero pelo primeiro livro da Beta Tostes, minhas irmã, pelo menos desde 2000 ou 2001, quando a escrita tornou-se uma de suas marcas. Já planejamos, eu e a Fabi Turci, lançarmos esse livro-hipótese-desejo pela breve editora que tivemos nos idos de 2012 (a Vagamundo), finada com após um belo livro lançado.

Foi no ano passado que esse livro ganhou corpo de obra. Em pouco mais de um mês, a Beta cerziu das várias centenas de obras de seu (excelente!) blog, o Sede em Frente ao Mar (https://sedemfrenteaomar.com/), junto a poemas inéditos, o corpo poético de seu primeiro livro. Um livro que se escrevia há pelo menos quinze anos, habitou vários projetos possíveis, e amadureceu sob as intempéries dos tempos presentes. Um livro fundante e fundamental, poético e político. Essa erupção vulcânica nasceu. E do lugar de leitor e irmão, além de acompanhar e participar da estruturação do livro, que ganhou o nome lindo de “Uma casa perto do vulcão“, escrevi-lhe o prefácio (cujos primeiros parágrafos deixo abaixo, apenas para dizer um pouco mais do que virá).

Ontem, a Beta estava no ônibus, vindo para nossa casa aqui São Paulo, quando recebeu a capa do livro, para aprovar ou sugerir mudanças. Mas diante de uma erupção vulcânica, não há o que fazer, senão contemplar-lhe — se estamos protegidos — a beleza e a potência, o imenso terror de entranhas da terra (semelhante ao terror despertado pela beleza que, segundo Rilke, seria “o começo do Terrível que ainda suportamos”). A capa que chegou era uma leitura generosa e precisa dessa poesia imensa e imersa em delicadezas vulcânicas. Não havia o que refazer. Havia muito pelo que sorrir e comemorar.

Não imaginávamos que era apenas o início de um período de preciosas surpresas. Uma vez aprovada a capa, vista e aprovada ontem, o livro já está em pré-venda lá no site da Editora Patuá. Aguarda leitores — muitos! — que há anos — e muitos — andam ávidos por essa ebulição poética.


Há muitas coisas que cabem nos laços de irmandade. Irmãos geralmente partilham as primeiras memórias que os conformam como seres no mundo. Dividem histórias colhidas nos caminhos e veredas por que passaram. Repartem brincadeiras, segredos e amigos. Compartem ainda gostos, descobertas e alumbramentos.

Entre mim e minha irmã, há ainda uma partilha fundante de nossa experiência no mundo: o rito da escrita. Descobrimos juntos, embora por caminhos paralelos, esse sacro ofício de cultuar palavras. Éramos crianças, quando ela inventou sua primeira cerimônia de sagração da linguagem, num caderno dedicado à escrita de histórias – geralmente um pouco trágicas. Uma poeta que teve sua infância na prosa, redescobriu-se “um animal, no ermo / da linguagem” com a prosa poética e, por fim, assenhorou-se dos versos. Apropriei-me também desse rito brincante e, com onze ou doze anos, inventei-me poeta – somente muitos anos depois é que fui invocar as energias e os fluxos da prosa.

Durante toda essa trajetória, partilhar os ritos da escrita formou esse laço que participa dos fundamentos de nossa experiência de irmandade. Sempre fomos leitores um do outro. Muitas vezes, isso suplantava silêncios impostos pelo hábito – sobretudo meu, que sempre fui um animal silencioso e sempre usei a escrita também como um escudo, onde tentava realizar a impossível tarefa de esconder fragilidades. Não pude deixar de pensar no silêncio – e na escrita esgarçando sons e, por vezes, dissonâncias nas entranhas dele – ao ler os versos “Foi preciso muita palavra / até arrancar deste silêncio / um lugar seguro.”

(…)

(trecho de “Nas camadas vulcânicas da palavra” – prefácio de “Uma casa perto do vulcão)

Uma casa perto de um vulcão – Roberta Tostes Daniel

Extintas memórias

Extintas memórias de infância –
de tardes no museu –
ardem no fogo dos séculos.
Restam apenas jardins
ladeando cinzas.
E um rescaldo de vozes.
O tempo e as chamas
são implacáveis.

Naqueles salões, uma múmia
ou um fóssil humano
me revelou –

creio que antes mesmo
que eu conhecer a escrita –

como é funda a fria face
da morte.

Afora este horror primevo,
esqueletos de dinossauros e baleias
alimentavam a perplexidade
da curiosa mente infantil.

Via naquele meteoro,
que sobreviveu ao fogo do descaso
dos tempos presentes,

o mesmo que causou,
há sessenta e cinco milhões de anos,
a grande extinção do cretáceo-paleogeno.

A grande extinção do museu,
com duzentos anos
dois meses
e vinte e sete dias de vida,
é agora.

São Paulo, 3 de setembro de 2018

Museu Nacional em chamas (2/3 de setembro de 2018)

Para o amor, não há defesas

Anis

A Anis (matilhalab), para mim, é uma comprovação do quão poderoso é o poder do amor. Quando ela chegou em nossa casa, ela não chegava perto de mim de jeito nenhum. Estava sempre apavorada e com o rabinho entre as pernas. Ela sofreu muitos maus-tratos e, por conta disso, tinha muito medo de homens. Até mesmo o cheiro de uma roupa minha fazia com que ela saísse correndo As primeiras tentativas de aproximação foram tentando dar pãezinhos. Mas era preciso que eu desse para a Fabi entregar pra ela. E mesmo assim, ela pegava desconfiada.

Mas a Fabi se tornou logo seu porto seguro e, com o tempo, ela foi reaprendendo a ser uma cachorrinha, a brincar, a ter curiosidade pelas coisas. Foi a partir da Anis, inclusive, que a Fabi se interessou por florais e acabou se tornando terapeuta floral. Isso porque após mais ou menos seis meses, a Fabi começou a dar um floral para a Anis, e rapidamente houve uma melhora geral. Não que quiséssemos que ela se tornasse isso ou aquilo. Apenas a queríamos bem.

Hoje, claro que a Anis é uma cachorrinha mais desconfiada e medrozinha. Pelos traumas e, talvez, pela própria personalidade — se em nós humanos às vezes é difícil distinguir essa linha, imagina em cachorros, que se expressam de outras formas. Especialmente no caso dela, a quem não conhecemos antes de ter sofrido os maus-tratos. Mas quando ela vem correndo para pegar um petisco, pula na cama para me cheirar quando eu chego ou quando acordo, ou quando olho para essas fotos que a Fabi (Laboratório dos sentidos) tirou no início do mês passado, minha alegria é sempre uma emoção do tamanho dessa história toda. Que me faz pensar que, provavelmente, para o amor não há defesas. Porque elas não são necessárias…

Anis

Anis

2015: A matilha.

Encharcada de Verbo

(in memoriam de Roberta Carmona)

Partir é sempre precoce.
O peso de uma ausência
dói nos ombros de todos que a suportam.
E quanto mais ombros,
mais a dor se alastra.

A dor partilhada pela palavra,
encharcada de Verbo,
move tudo junto.
Comove.

Mesmo se a presença
foi só potência,
uma ausência pode pesar.
Fica uma lacuna aberta
sobre o silêncio da impossibilidade.

Partir é sempre precoce.
Por isso agora, claudicante,
eu tateio palavras
sentindo que nenhuma me veste.

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Não cheguei a conhecer pessoalmente a Roberta Carmona. Eu só a vi uma vez, no Patuscada, quando ela entrevistava algum escritor que não cheguei a ver quem era. Pretendia falar com ela, pois lhe havia enviado meu livro pouco tempo antes, mas acabei não tendo oportunidade para isso. Eu a conheci pelo Literatórios, e quando nos adicionamos ela logo me disse que queria ler meu Trítonos. Sempre que interagimos, foi pela palavra, tanto nas redes sociais quanto nos comentários aos seus vídeos.

Hoje, ao entrar neste espaço, vi muitos escritores amigos lamentando a sua perda. Nosso mundo sempre fica mais pobre quando alguém se vai. E hoje a literatura também. Pela simpatia a Roberta despertava em mim – e certamente em todos – fui imediatamente tocado por sua ausência. Tão tocado que não consegui deixar de escrever. Mesmo sentindo que “hoje nenhuma palavra me serve”, como a Paula Fábrio escreveu e de quem roubei a ideia da frase para fechar isso acima que escrevi e agora partilho em memória da Roberta.

Ontem (8/7) fez um mês que se abriu uma cisão mágica no tempo e no espaço, cisão capaz de promover profundos encontros e comunhão. Numa sexta-feira, 8 de junho, ocorria a primeira edição do Sarau Verbo Raio, organizada pela Lilian Sais e pelo Marcus Groza. E essas duas potências juntaram outras vozes, promovendo uma polifonia rara e especial. Além de mim e dos curadores do sarau, estiveram também os incríveis artistas (da palavra, do verbo, do som) Alexandre Marinho, Julia Mendes, Luiza Borba e Maria Giulia Pinheiro.

Sarau Verbo Raio

Os cinco primeiros vídeos registram, com as devidas edições, a minha apresentação. Mas para ver a beleza de tudo o que foi, recomendo fortemente assistir ao vídeo inteiro na página da Tapera Taperá, que sediou o evento.

Vídeos:

Trecho do conto “Gritos do açafrão”, de Trítonos – intervalos do delírio.

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Espaço público (poema) + Naci en Palestina (música)

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Corpo cerzido (poema) + Veredas do Tempo (música)

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Se eu acreditasse num deus (poema)

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Hinech Yafa (música) + Canção profética (poema)

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